domingo, setembro 27, 2009

BIOARQUITETURA: MAIS UM ESTILO OU UMA NECESSIDADE???

O E-mail caiu como um presente na minha caixa de entrada. Entrei no site e me senti atraída logo de cara : Bioconstruindo 2003 -uma semana de vivência prática num ecocentro em Goiás, conhecendo e experimentando técnicas de bioarquitetura. Enviei a inscrição, esperei a confirmação e pronto! Arrumei a mochila, tirei o pó da barraca e, num domingo de julho, como nos tempos de faculdade, lá fui eu rumo a Pirenópolis. Mapa na mão, saltei no trevo de entrada da cidade dirigindo-me ao posto de gasolina para me informar onde era o IPEC. Francisco, um colega arquiteto que estava chegando de Manaus foi avisando: não tem taxi aqui, temos que seguir a pé por aquela estrada. Olhei a mochila, a barraca, o sol do cerrado e, “franciscanamente” concluí: “É, de taxi não ia ter graça mesmo, assim a gente já vai entrando no espírito da coisa...”. E assim, lembrando as célebres palavras do “grande filósofo” Vicente Matheus – quem sai na chuva é pra se queimar – lá fomos nós, Francisco e eu, pé na estrada, rindo muito, atrás da tal Bioarquitetura. Francisco era arquiteto recém-formado que pegou o canudo e se mandou para Manaus para trabalhar com projetos ecológicos. Enquanto falava de sua experiência seus olhos brilhavam e pensei comigo: “se é o sonho que move as nossas vidas, quem sabe não é essa a hora de voltar a sonhar...”

Ao chegar, o primeiro sentimento foi de admiração: a diversidade das técnicas construtivas, a liberdade presente nas formas orgânicas das construções, a criatividade dos acabamentos, os mosaicos em toda parte, a preocupação estética unida à preservação do meio-ambiente. Tudo ali transpirava criatividade, harmonia, respeito à vida, seriedade, firmeza de propósitos, alegria de ter um ideal e vê-lo se tornando realidade.
Como estávamos atrasados, fomos direto para a área de convivência onde aconteceria o círculo de integração para a apresentação dos quase 80 participantes e da programação das oficinas que teriam início no dia seguinte. Como eram muitas, tivemos que escolher as que mais nos interessavam. Iniciávamos as manhãs com prática de ioga ou tai-chi, seguidos do café da manhã e do círculo de integração para troca de experiências. Só então partíamos para as oficinas do dia. O trabalho era ao mesmo tempo duro e prazeiroso para aqueles que realmente se dispunham a colocar a mão na massa (e quase todos se dispunham!). Antes do almoço, um rápido banho de cachoeira para tirar o suor. Após a refeição, geralmente tínhamos uma palestra rápida e então continuávamos com as oficinas até o fim da tarde. À noite, depois do jantar, apesar do cansaço não faltava a fogueira com música, danças (circulares, indígenas, forró...).

CONHECENDO O IPEC
O Instituto de Permacultura e Ecovilas do Cerrado é um centro de referência e capacitação em permacultura e ecovilas que tem como objetivo difundir e estabelecer modelos e estilos de vida sustentáveis. Seus objetivos são:
- Inspirar, criando o desejo de mudança a partir de exemplos práticos.
- Informar, alimentando o desejo de mudança com informação completa e apropriada.
- Capacitar, provendo o apoio técnico.
- Experimentar, oferecendo espaço para idéias e invenções ecológicas.
Criada em meados dos anos 70, a Permacultura , muito mais que um método para o planejamento de ecossistemas cultivados, tornou-se um sistema de design para a criação de ambientes humanos sustentáveis, cujo objetivo é a criação de sistemas que sejam ecologicamente corretos e economicamente viáveis, que supram suas próprias necessidades, não explorem ou poluam e que, assim, sejam sustentáveis a longo prazo. É dentro desses princípios que aparece a Bioarquitetura (ou arquitetura ecológica), baseada no uso de técnicas construtivas que causem o menor impacto ambiental possível (através da utilização de materias encontrados no lugar e do aproveitamento de recursos naturais renováveis como sol, vento, chuva) e buscando um design eficiente e um posicionamento correto das casas, adaptado ao meio ambiente e levando em conta o relevo local, as características climáticas, a vegetação ao redor, a forma de lidar com os resíduos sólidos e líquidos e, sobretudo, o bom-senso.
Localizado numa propriedade rural, o Instituto mantém uma programação de cursos durante o ano todo, além de um programa de estagiários de todo Brasil que vêm cursar a Ecoversidade, residindo ali por algum tempo para aprender as técnicas e transmiti-las nas suas comunidades. Todas as construções e equipamentos existentes no Instituto são projetadas de acordo com a técnica mais adequada e sua execução concretizada durante os cursos. Hoje já existe pelo menos um exemplar acabado de cada técnica utilizada. Tudo lá é planejado de maneira a reaproveitar materiais e recursos renováveis, evitando o desperdício. Visitando o Ecocentro podemos entender como tudo funciona de forma integrada, com as sobras de um sistema sendo reaproveitadas em outro.
A maior parte das edificações utilizam a terra como matéria básica, visto ser este o material mais disponível no local. Diversas são as técnicas de construção com terra : adobe, super-adobe, taipa de pilão, taipa leve (com palha seca), COB. O bambu e o eucalipto também são utilizados, porém em menor escala, já que não são fartamente encontrados na região. Sanitários compostáveis do tipo seco ( não usam água para descarga) transformam o esterco humano em um composto rico que é devolvido ao solo na adubação de jardins, além de economizar água e evitar a poluição dos rios. Um sistema de filtros vivos limpam as águas cinzas da cozinha, chuveiros e tanques, que são utilizadas para regar as hortas e pomares. A água de chuva dos telhados também é coletada e armazenada em reservatórios para ser utilizada na irrigação e na limpeza. O aquecimento da água dos chuveiros é feito por um aquecedor solar de baixo custo construído com placas de forro PVC pintadas de preto, construído no próprio Ecocentro. Todos os restos de cozinha, madeira, jardins e esterco animal são compostados e transformados em adubo orgânico.
Embora essas atitudes ecológicas sejam, a princípio, iniciativas individuais – cada um fazendo a sua parte – é justamente quando adquirem um sentido coletivo que passam a exercer uma função transformadora, agregando as pessoas em torno de um mesmo ideal de morar, de se relacionar, de viver enfim. É nesse contexto que surgem as Ecovilas, trazendo uma nova proposta de viver com mais saúde e qualidade. Mas esse já é um outro capítulo...


IPEC (Instituto de Permacultura e Ecovilas do Cerrado) – Pirenópolis/GO
Site: www.permacultura.org.br/ipec

Maria Clara Giannelli Feitosa (claragiannelli@uol.com.br) é arquiteta, fotógrafa, mosaicista e membro do grupo ecológico Maitan

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